O espaço de aprendizagem em grupo na sala de aula invertida


Reflexão  sobre a Unidade 5: "Best Practices in the Group Space" do curso Flipped Learning 3.0 Certification Level - I Masterclass, da Flipped Learning Global Iniciative.


O objetivo da sala de aula invertida não é por os alunos a ver vídeos. O objetivo é ganhar tempo para atividades de qualidade em sala de aula, na presença do professor.

O reimaginar a sala de aula é a riqueza da inversão. Ao retirar a transmissão de informação do espaço de grupo, é possível obter mais tempo para trabalho mais envolvente e aprofundado, para melhor trabalho em sala de aula. Não que não existam outros métodos que apostem nas competências mais altas da taxonomia de Bloom, a vantagem da sala de aula invertida é que, nesta metodologia, os alunos continuam a ter acesso a conteúdos estruturados e de qualidade.

Ao definir que atividades são adequadas para o espaço de grupo, há que olhar para as competências mais elevadas da taxonomia de Bloom - aplicar, analisar, avaliar e criar - e questionarmo-nos qual o melhor uso para o tempo presencial entre professor e alunos. A resposta a esta questão, naturalmente, dependerá da disciplina, da idade dos alunos e das caraterísticas do professor, que o farão estar mais confortável com determinadas estratégias, mas o caminho deverá sempre ser feito através de estratégias ativas de aprendizagem.

Uma proposta de trabalho para o espaço de grupo pode passar por um modelo que assente em três etapas ao longo de uma  aula presencial:

1. Ligação com o espaço individual (idealmente 10 minutos). Pode ser feita através de um questionário, uma discussão em grupo...o objetivo é que os alunos compreendam que o trabalho que fizeram previamente importa e ativar os conhecimentos adquiridos para a atividade que se segue;

2. Atividade de aprendizagem ativa, com o apoio do professor;

3. Sumário do que foi aprendido (reflexão).

A atividade de aprendizagem ativa pode passar por exercícios de aplicação. Embora resumir o espaço de grupo a exercícios de aplicação seja redutor - uma vez que é desejável a realização de atividades que mobilizem competências de análise, avaliação e criação - os exercícios de aplicação são ainda importantes em muitas disciplinas para que os alunos possam processar a informação que trazem do espaço individual de aprendizagem.


Realização de exercícios

Enquanto professor de Física e Química, uma disciplina de exame, não é exequível para mim não apostar nas competências de aplicação, através da resolução de exercícios. Aliás, do meu ponto de vista, é ótimo que a sala de aula invertida permita mais tempo aos meus alunos para o praticar. Não é razoável, pelo menos em determinadas disciplinas e em determinados níveis de ensino, considerar que a aprendizagem deve ser essencialmente lúdica - a resolução de exercícios é fundamental para a aquisição de conceitos.

A importância da resolução de exercícios em nada compromete a metodologia da sala de aula invertida. Se no modelo tradicional o professor se mantém no quadro a resolver os exercícios, explicando a sua resolução, no modelo de sala de aula invertida, há que deixar de lado o controlo e permitir que os alunos conduzam a sua aprendizagem.

He whose brain is working, is growing

Jonathan Bergmann

A tutoria de pares neste contexto pode ser bastante rica. Ao reunir os alunos por grupos, aqueles com mais dificuldades podem aprender com os que compreendem melhor a matéria, ao mesmo tempo que os que compreendem melhor a matéria estruturam o seu conhecimento porque não há como ensinar para aprender.

Apesar do professor dever circular entre os grupos, disponibilizando-se para ajudar, o facto dos alunos tentarem sozinhos a resolução dos exercícios é uma forma ativa de aprendizagem. Uma estratégia possível para incentivar os grupos a pedir ajuda é dar aos grupos de trabalho três copos coloridos, um verde, um amarelo e outro vermelho. Quando o copo exposto é o verde, o grupo está a trabalhar sem dificuldades e não necessita do professor; quando o copo exposto é o amarelo, o grupo está a trabalhar, mas precisa de tirar dúvidas pontuais com o professor; se o copo exposto for o vermelho, a presença do professor é fundamental para o prosseguimento do trabalho.

Apesar da importância da resolução de exercícios, há que não esquecer a necessidade de avançar para atividades que mobilizem competências mais elevadas da taxonomia de Bloom. O padrão vídeo - ficha de trabalho não é suficiente para uma aprendizagem mais profunda e há que quebrá-lo com atividades mais criativas e que desenvolvam o espírito crítico, de análise e interrelação entre os conteúdos.

Estratégias de questionamento

Foi já referido que a relação professor-aluno é essencial na metodologia da sala de aula invertida. O tempo ganho em sala de aula deve converter-se em mais tempo de qualidade na interação com cada aluno. Enquanto os grupos de trabalho desenvolvem as suas tarefas, o professor circula entre eles e tem diversas oportunidades de interação, permitindo a diferenciação de questões de acordo com as caraterísticas dos grupos e dos alunos que os constituem.

O ideal será conseguir, de forma consciente, ir fazendo perguntas a pequenos grupos de alunos que se situem cada vez em competências mais altas da taxonomia de Bloom, levando os alunos a aprofundar os seus conhecimentos.

Para que estas "micro-conversas" sejam eficazes, o professor deve:

  • Preparar-se para a aula, "refrescando" os seus conhecimentos e preparando algumas perguntas de antemão;
  • Fazer essencialmente perguntas de resposta aberta;
  • Apostar num ambiente saudável entre professor-alunos.
Outra estratégia interessante será colocar os alunos a fazer eles próprios perguntas sobre o tema. As respostas a estas perguntas podem ser respondidas pelos pares, pelo professor ou tema de pesquisa posterior.

A sala de aula invertida na própria aula (tradução livre para in-class flip)

Há contextos em que não é razoável solicitar aos alunos a visualização de filmes fora da sala de aula, por exemplo:
  • Zonas geográficas em que o acesso á internet é problemático;
  • Níveis de ensino mais baixo (1º ciclo, em particular);
  • Meios onde é irrealista esperar que os alunos façam o trabalho em casa.
Em conjunturas como as anteriores, os professores podem apostar na sala de aula invertida na própria sala, isto é, podem criar condições para que o espaço individual de aprendizagem ocorra dentro da sala de aula. 

Na verdade, este modelo aproxima-se mais de um modelo de ensino híbrido de rotação por estações, em que uma das estações é a visualização do vídeo proposto.

Há uma vantagem evidente neste modelo: se for possível dividir a turma em turnos, deixando parte dos alunos a visualizar o vídeo, o rácio alunos-professor diminui durante o tempo de interação, permitindo um ensino mais individualizado.

Espaço de aprendizagem

O layout de uma sala de aula invertida não pode ser o de uma sala de aula tradicional. Na sala de aula tradicional o foco está no "palco do professor"; na sala de aula invertida, não faz sentido haver foco em concreto porque é suposto os alunos estarem a trabalhar em grupo de forma flexível, num processo dinâmico de interação.

No ano letivo 2017/2018 tive o privilégio de trabalhar numa escola, a Escola Secundária Dom Manuel Martins, em Setúbal, que tinha uma sala de aula do futuro, com vários espaços como os ilustrados na figura, e posso atestar que o layout faz diferença e promove a mudança - não faz sentido preparar uma aula convencional quando o espaço que temos é tão disruptivo...


É possível idealizar várias formas de layout para uma sala de aula invertida - com as mesas agrupadas como habitualmente nos jardins de infância, com estações de trabalho diferenciadas, com estações laboratoriais, recursos como quadros interativos ou tablets à disposição - e depois há a realidade de cada um de nós que muitas vezes nada tem a ver com esses ideiais...mas uma escola é um sítio em que estamos habituados a nos adaptar...na foto seguinte, ilustro o tipo de sala da escola onde dou aulas - antes dos alunos entrarem (A) e durante a aula, quando os alunos se organizam em grupos (B). São os alunos que organizam as mesas como entendem, quando lhes é solicitado que trabalhem em grupo, e são eles que arrumam espontaneamente  a sala depois da aula terminar, deixando-a como a encontraram.


Layout de sala de aula arrumada da forma convencional (A) e organizada para trabalho de grupo (B)
Escola Secundária Sebastião da Gama, Setúbal

Sintetizando, o importante é pensar a sala de aula como um espaço de aprendizagem. O layout mais adequado será o possível dentro das circunstâncias de cada escola. Entre o ideal e o possível há muitas vezes uma lacuna difícil de transpor. Saber trabalhar com o que temos, da melhor forma possível, é frequentemente a única forma de conseguir inovar.


Conclusão

Inverter a sala de aula é apostar na presencialidade para desenvolver estratégias de sala de aula mais ricas, onde a presença do professor mais faz a diferença. 

Não fará sentido inverter a sala de aula, mantendo as estratégias de ensino tradicionais, com o professor a resolver exercícios no quadro para toda uma turma. Não que tal não possa suceder e não possa ser útil em determinados momentos, mas o objetivo será sempre a responsabilização do aluno pela sua aprendizagem, o aprender a aprender, o desenvolver a autonomia e o espírito crítico, sendo fundamental o investimento em estratégias ativas de aprendizagem.

Se o trabalho de um professor em criar espaços de aprendizagem individual de qualidade já é significativo, repensar toda a sala de aula pode ser de facto um trabalho demasiado pesado para ser feito de forma abrupta, pelo que o processo de inversão de sala de aula tem de ser gradual e sustentado.

Uma das questões que se colocará a muitos docentes, é o facto de nesta metodologia o  controlo por parte do professor ser menor. O papel do professor será de criar conteúdos, orientar a aprendizagem e esclarecer dúvidas, mas aos alunos compete a realização das tarefas e o compromisso pela sua aprendizagem. Esta questão é incontornável, aplicar a sala de aula invertida implica passar para os estudantes as rédeas do seu estudo. Caso o professor sinta que não o consegue fazer, que se sente perturbado por essa questão, talvez existam outras estratégias, igualmente válidas, com as quais se sinta mais confortável. Vale a pena, no entanto, refletir sobre que controlo temos na atenção dos estudantes quando damos uma aula expositiva. Temos a certeza que todos os alunos nos estão a ouvir? Que pedem sempre esclarecimento de dúvidas quando não compreendem um tópico? Que não estão simplesmente a fazer cópia do quadro? Cada vez mais me consciencializo que o facto de controlarmos o ritmo da aula, não implica que estejamos a controlar a aprendizagem dos alunos...

Em resumo, da mesma forma que não há uma forma única de aproveitar o espaço individual de aprendizagem, não há também uma única forma de explorar o espaço de grupo. Cada um de nós deve antes de mais questionar como pode a nossa presença ser útil para o aluno. Que atividades? Que competências a desenvolver? Que estratégias a aplicar?...a resposta terá de ser dada de acordo com o contexto de cada um. Que cada um de nós reflita as próprias práticas pedagógicas é certamente mais um passo na direção certa para melhorar a nossa ação em sala de aula...


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