Ecossistemas de educação digital e sistemas híbridos de aprendizagem



Em biologia, o termo ecossistema representa um conjunto de organismos que vivem em determinado local e interagem entre si e com o meio, formando um sistema estável. Cada ecossistema é formado por várias populações de espécies diferentes, constituindo, assim, uma comunidade. Um ecossistema é constituído por dois componentes: o biótico, os seres vivos, e o abiótico, as condições do meio ambiente, fundamentais para a sobrevivência dos organismos e que determinam a forma como estes se relacionam e evoluem

É possível fazer um paralelismo entre o termo ecossistema como entendido em biologia, e um Ecossistema de Educação Digital. Tal como nos ecossistemas biológicos, também nos digitais temos um conjunto de “organismos vivos” – os professores, os alunos e os conteúdos – que formam uma comunidade cujas relações entre si e a forma como evoluem dependem dos “fatores abióticos” – neste caso, as tecnologias que suportam as aprendizagens.

Como na biologia, tanto os fatores abióticos como as relações dentro da comunidade (entre indivíduos da “mesma espécie” e relações de mutualismo e simbiose) são fundamentais para o sucesso do fator biótico do ecossistema. Formam-se assim comunidades virtuais que devem ser encaradas como uma alternativa a ter em conta aos contextos de organização tradicional da educação. Para que estas comunidades se desenvolvam, é necessário que o processo de aprendizagem seja sustentado por modelos colaborativos e construtivistas onde a inteligência coletiva se possa desenvolver, criando um todo mais capaz de aprender.

Representando o fator abiótico, é essencial que as tecnologias sejam um recurso que potenciem o fator biótico do sistema. A sua importância ultrapassa a do material tecnológico em si – são antes o ambiente que deve ser fértil, vivo e diversificado, permitindo o surgir, o crescer e a evolução de ideias dentro da comunidade.

Mas este “ambiente de aprendizagem” não tem de se esgotar nos recursos tecnológicos. Se o objetivo é criar ambientes de aprendizagem ricos, dinâmicos e diversificados, não fará sentido reduzir a comunidade educativa a um só “espaço” havendo possibilidade de alargar o universo em que a educação acontece.

Hoje, o desafio será apostar na diversificação de metodologias e deixar de lado a dicotomia digital-analógico para apostar na construção de um sistema híbrido, onde se destacam as metodologias ativas coexistindo ferramentas digitais e “analógicas” (no sentido de tradicionais).

Há que não confundir sistemas híbridos de aprendizagem com ensino misto ou combinado (semipresencial). O conceito de ensino híbrido deve ser compreendido de forma mais lata. Nas palavras de J. António Moreira, "a educação híbrida deve manifestar-se através de metodologias diferenciadas, onde as metodologias ativas vão assumindo um papel cada vez mais importante, sem eliminar as metodologias mais tradicionais, que devem ser coordenadas com as metodologias ativas, num diálogo entre ferramentas digitais com ferramentas mais analógicas (não há porque apostar apenas em leituras digitais, ignorando o potencial do caderno e do livro em papel)".

Considerando a educação híbrida, o termo pedagogia deixa de fazer sentido no singular e as fronteiras do local de aprendizagem esbatem-se, reconhecendo a ubiquidade da educação.

Esta emergência da mudança do paradigma educativo mais não é que o reconhecer que o mundo de hoje é dominado pela sociedade em rede, que muito da nossa vida se passa no ciberespaço, que as competências digitais são fundamentais e integram a vida do cidadão comum. Como manter afastadas as novas tecnologias da educação quando essas tecnologias ocupam um lugar de destaque no dia-a-dia de todos nós?

Esta integração dos meios tecnológicos no sistema educativo é apontado no Plano de ação para a educação digital 2021-2027 da Comissão Europeia como uma forma de construir uma sociedade mais justa e mais sustentável. Na verdade, a rápida digitalização transformou o mundo de trabalho, criando novas necessidades no mercado laboral o que exige,  por um lado, uma mudança na formação dos jovens e, por outro, novas soluções para a aprendizagem ao longo da vida nos adultos - público para o qual a formação nem sempre está disponível no momento certo, no espaço certo.

Se é verdade que há o risco - que tem de ser avaliado e minimizado - de exclusão digital por falta de equipamento e de conectividade por parte da população (e de facto há atualmente uma fratura digital entre as zonas urbanas e as zonas rurais), quando usada de forma eficiente e equitativa, a tecnologia pode contribuir para uma educação de qualidade mais inclusiva.

São várias as vantagens apontadas pela Comissão Europeia para a inclusão da tecnologia no sistema educativo:
  • Pode facilitar uma aprendizagem mais personalizada, flexível e centrada no aluno;
  • Promove a aprendizagem colaborativa e criativa;
  • Pode ajudar professores e alunos a aceder, criar e partilhar conteúdos, numa perspetiva de Educação Aberta;
  • Permite a deslocalização da formação, limitando os constrangimentos da distância física e da disponibilidade temporal dos formandos;
  • Contribui para dotar os aprendentes de competências digitais para viver, trabalhar e prosperar num mundo cada vez mais mediado pela tecnologia.

Sendo uma emergência a nível mundial - reforçada pela pandemia Covid-19 que lançou centenas de milhares de estudantes e professores para a aprendizagem em ambiente virtual, há que reconhecer o muito que já se faz no sistema de ensino no que toca à integração do digital no processo de ensino-aprendizagem. Deixo dois exemplos de contextos de aprendizagem com os quais de alguma forma já tive contacto na minha vida profissional e que refletem não só a importância dos ambientes virtuais de aprendizagem mas também o facto dos sistemas híbridos já fazerem parte da realidade de muitas escolas.

Sala de Aula do Futuro
O Laboratório da Sala de Aula do Futuro foi criado pela European Schoolnet , constituindo-se como um ambiente de aprendizagem que desafia os docentes a repensar o papel da pedagogia e da tecnologia nas salas de aula. 


Apesar deste projeto promover nas escolas a construção de salas físicas apetrechadas e pensadas para dinamizar e promover atividades de aprendizagens inovadoras, o principal objetivo do projeto é a criação de ambientes educativos aliciantes, e onde a tecnologia é um recurso envolvente, favorecendo as metodologias ativas por promover a motivação, a criatividade e o envolvimento do aluno na construção individual ou coletiva do conhecimento. 

De acordo com a publicação Laboratórios de Aprendizagem: Cenários e Histórias de Aprendizagem, "as práticas inovadoras podem ocorrer em muitos lugares, nas salas de aula de uma escola, em casa e/ou noutros sítios dentro ou no exterior da escola (como empresas, famílias, clubes, museus, etc.). Podem participar nessas atividades turmas com alunos da mesma idade ou de diferentes idades, diversos professores para além do titular, especialistas que se encontram noutras escolas/instituições ou organizações, entre outros elementos da comunidade (alunos, professores, pais, etc.). As tecnologias permitem a expansão do conceito de sala de aula, no qual se inclui a componente virtual, levando o ensino e a aprendizagem a outros níveis mais abrangentes e mais aliciantes que privilegiam a ação do aluno."

Quando em ambiente de Sala de Aula do Futuro, os professores são incentivados a por em prática as Atividades de Aprendizagem no âmbito de um Cenário de Aprendizagem, de forma a promover a aprendizagem ativa e o desenvolvimento das competências-chave requeridas para o século XXI, conforme descritas pelo Quadro de Referência Europeu. Estas atividades inovadoras podem ser experimentadas de forma independente ou numa sequência de outras atividades.



Modelo HyFlex
O "modelo híbrido flexível", HyFlex, é uma abordagem que pretende combinar o ensino presencial com o ensino online. Cada sessão ocorre num espaço físico (a escola) acessível aos alunos que queiram acompanhar a aula presencialmente. A sessão é, no entanto, transmitida sincronamente e ainda gravada para que constitua também um recurso a ser explorado de forma assíncrona. Assim, os alunos decidem como aceder aos conteúdos, recorrendo à modalidade que lhes seja mais favorável.

Um ponto-chave deste sistema é que a oportunidade de aprendizagem deve ser equivalente em qualquer modo escolhido pelo aluno, o que implica não só repensar as atividades desenvolvidas de modo a serem igualmente frutíferas para quem esteja no regime presencial ou a distância, como também garantir que a tecnologia permite que todos os participantes acompanhem as interações verbais. Todos os recursos educativos devem estar online e os alunos que acompanham a aula a distância participam geralmente via chat que pode ser moderado por um professor assistente ou um estudante.

Algo que diferencia o modelo HyFlex é a opção assíncrona, que deve permitir, nesta modalidade, uma experiência educativa completa, equivalente à dos alunos em regime presencial e síncrono, não se limitando a gravação das sessões síncronas.

Embora sejam evidentes as vantagens do HyFlex - até para a instituição educativa, por um mesmo professor providenciar a aula presencial e remotamente - há que sublinhar que este modelo não será adequado para alunos pouco comprometidos com a sua aprendizagem, com falta de responsabilidade, maturidade ou motivação. As competências digitais são também determinantes para o sucesso da aprendizagem.


Em jeito de conclusão, é hoje incontornável a necessidade, e até a inevitabilidade, do recurso à tecnologia no sistema de ensino. A tecnologia pode ser explorada como mais um recurso ou pode ser a base de interação entre professores, alunos e conteúdos, mas será sempre valiosa para criar ambientes de aprendizagem ativa, para promover comunidades virtuais de aprendizagem e para dotar os alunos de competências digitais fundamentais no século XXI. Se é verdade que os ecossistemas de educação digital são cada vez mais uma realidade, há que criar modelos educativos flexíveis onde o digital e o analógico se conciliem entre si, proporcionando modelos híbridos que adequem as estratégias ao público-alvo e ao contexto, procurando sempre o melhor caminho para uma educação mais eficaz e mais inclusiva.




Fontes de informação:

Alves, A.; Ferreira, C.; Ribeiro, R.; Machado, S.; Barbosa, S. (2015). Laboratórios de Aprendizagem: Cenários e Histórias de Aprendizagem. Iniciativa "Laboratórios de Aprendizagem (Pt) / Future Classroom Lab (EUN)". Disponível em


Comissão Europeia (2020). Reconfigurar a Educação e a Formação para a Era Digital. Plano de Ação para a Educação Digital 2021-2027. Comunicação da Comunicação ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões. Disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52020DC0624&from=PT

Milman, N.; Irvine, V.; Kelly, K. Miller, J.; Saichaie, K. (2020). The HyFlex Course Model. EDUCAUSE. Disponível em https://library.educause.edu/-/media/files/library/2020/7/eli7173.pdf

Moreira, J; Henriques, S; Barros, D.; Goulão, M. & Caeiro, D. (2020). Educação Digital em Rede: Princípios para o Design Pedagógico em Tempos de Pandemia. Coleção: Educação a Distância e eLearning. Universidade Aberta. Disponível em https://repositorioaberto.uab.pt/handle/10400.2/9988

Moreira, J. Era Híbrida, Educação Disruptiva e Ambientes de Aprendizagem. 25 de março 2020. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=rxzkv9QW7A8

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