"Sala de Aula Invertida - uma Metodologia Ativa de Aprendizagem". Resumo e reflexão#3


No seguimento do resumo da primeira parte do livro "Sala de Aula Invertida - uma Metodologia Ativa de Aprendizagem", onde os autores introduzem o método da sala de aula invertida, e do resumo da segundo parte deste livro, que introduz o método da sala de aula invertida para a aprendizagem do domínio, concluo este conjunto de artigos com o resumo e reflexão relativa à parte final da obra, que se dedica a explicar como implementar este modelo de ensino-aprendizagem.

Implementando o modelo invertido de aprendizagem para o domínio - como começar

Bergmann e Sams referem que no início do ano letivo começam por apresentar a metodologia de trabalho aos estudantes, sublinhando a importância dos alunos assumirem a responsabilidade pela sua própria aprendizagem. Mencionam ainda que envolvem os pais explicando o modelo através de missiva escrita, indicando as vantagens do modelo invertido de aprendizagem do domínio e que estão disponíveis para esclarecer dúvidas para dissipar eventuais resistências.

É também fundamental ensinar os alunos a assistir aos vídeos disponibilizados. Os autores estimulam os alunos a eliminarem as distrações, focando-se na tarefa, e dedicam algum tempo nos primeiros dias de aula para assistir aos vídeos em conjunto. Nesta atividade, começa por ser o professor a ter o controlo para parar e retroceder o vídeo, salientando pontos importantes; numa fase seguinte, o controlo para parar e retroceder passa para um dos alunos. Naturalmente, o ritmo do aluno que controla o vídeo não é igual ao dos colegas, pelo que o professor aproveita para explicar a vantagem de cada um controlar a visualização do vídeo e, consequentemente, a sua própria aprendizagem. Durante esta fase de treino, os professores ensinam também a aumentar a eficácia das anotações realizadas pelos alunos.

Implementando o modelo invertido de aprendizagem para o domínio - consolidando a metodologia

Como garantir que os alunos assistiram ao vídeo? 

Esta questão já foi alvo de atenção no primeiro artigo desta série. Bergamann e Sams dão especial relevo à estratégia de solicitar aos alunos, individualmente ou em grupo, pelo menos uma "pergunta interessante" por vídeo. Se forem levantadas questões para as quais o professor não tem a resposta, professor e aluno pesquisam juntos a solução. A exigência de pedir uma pergunta por vídeo é especialmente importante para os alunos que geralmente não interagem com o professor.

O layout da sala de aula também deve ser alvo de atenção. O modelo de sala de aula invertida para a aprendizagem, sendo projetado em torno da aprendizagem, torna obsoleto o layout tradicional, onde o foco da sala se situa na frente, como um palco para o professor. Em vez disso, fará mais sentido que o foco se situe no meio, como acontece geralmente no jardim de infância. Esta nova disposição deixa de dar enfoque ao professor para, em vez disso, focar a aprendizagem e os alunos. Bergmann e Sams referem inclusivé que na sua sala de aula os quadros interativos são colocados na lateral da sala e não na dianteira, para que os alunos os usem como ferramenta interativa para a aprendizagem, sendo usados como estação de trabalho em que os alunos exploram simulações online, colaboram em projetos ou simplesmente "exploram novas maneiras de aprender e de compreender".

A propósito, e fazendo um parêntesis na análise do livro em estudo, no artigo "3 ways to get your students to like doing homework in a flipped class", é partilhada uma imagem onde se compara o layout de uma sala de aula tradicional de Física Aplicada na Escola de Engenharia e Ciências Aplicadas, na Universidade de Harvard, lecionada pelo professor Eric Mazur, com o layout da mesma aula, na mesma escola, com o mesmo professor em regime de sala de aula invertida. O professor é identificado pela seta em cada uma das fotos.


Imagem 1 - O Layout de uma sala de aula tradicional versus o layout de uma sala de aula invertida

Sendo Bergmann e Sams professores de Química, uma ciência experimental, criaram na sua prática um layout próprio, dividindo o recinto da sala em diferentes áreas - uma estação laboratorial sobre diferentes tipos de reações químicas, outra para reações específicas e uma terceira para fórmulas de laboratório. O que os autores referem é que, desta forma, o número de equipamentos por aula diminui, porque os alunos não estão a realizar a atividade todos ao mesmo tempo, o que implica vantagens em termos económicos. Por outro lado, como o professor fica mais livre para trabalhar com um grupo em concreto, aumenta o nível de segurança no laboratório. 

Outra vantagem que Bergmann e Sams mencionam relativamente a esta metodologia é o facto de, ao se darem conta que a aprendizagem é o principal objetivo, os alunos começarem a recorrer uns aos outros para receber ajuda, começando a organizar-se automaticamente em grupos de aprendizagem. O papel do professor é também distribuir os alunos por grupos estratégicos, identificando os alunos que estão a trabalhar num mesmo conteúdo e estimulando a criação de grupos funcionais. 

Nossos alunos percebem que é melhor trabalhar em equipa que trabalhar sozinhos. Chegamos, assim, ao âmago da aprendizagem no século XXI: alunos trabalhando juntos para realizar os mesmos objetivos. Sabemos que, em breve, entrarão no mundo do trabalho, em que pessoas raramente atuam sozinhas.

(Bergmann e Sams, 2018) 

Implementando o modelo invertido de aprendizagem para o domínio - sobre a avaliação

No modelo invertido de aprendizagem para o domínio, defendem Bergmann e Sams que "o ónus da prova no processo formativo é dos alunos". Compete aos alunos a apresentação das evidências de que estão a alcançar os objetivos. Quando os alunos não são capazes de demonstrar que dominam os conteúdos, cabe ao professor criar rapidamente planos de recuperação personalizados para que repitam o processo e possam progredir para os objetivos seguintes. Estes planos podem constar de recomendações para que os alunos vejam de novo os vídeos, sugestões de livros ou websites, ou simplesmente uma sessão onde o professor revisite com os alunos os conceitos que não foram compreendidos.

Assim, a avaliação formativa é a predominante ao longo do processo.

Compete ao professor avaliar constantemente a trajetória do aluno e oferecer feedback imediato que o mantenha no rumo seguro das rodovias da aprendizagem. (...) Um dos componentes do bom ensino é o de acompanhar o aluno ao longo da jornada da aprendizagem, em vez de apenas verificar se chegou ao destino com segurança.
(Bergmann e Sams, 2018)

Quanto à avaliação sumativa, Bergmann e Sams definiram que os alunos devem obter no mínimo 75% em todas as avaliações sumativas para comprovar o domínio da aprendizagem. Para isso, desenham os testes de avaliação de maneira que 75% das questões abordem objetivos de aprendizagem que os professores consideram essenciais, sendo os restantes 25% dedicados a objetivos do programa que "é bom saber", mas que não são essenciais para o progresso nos conteúdos seguintes. O aluno que não alcançar 75% deve refazer o teste.

Sendo professores de Química, Bergmann e Sams também solicitam trabalhos relacionados com as aulas práticas e também aqui exigem que os alunos alcancem um mínimo de 75% para serem aprovados. Se um aluno apresentar um mau relatório, tal relatório ser-lhe-à devolvido para que o refaça.

Os próprios autores sublinham, no entanto, que o modelo de avaliação por si proposto, não esgota a forma de avaliar um processo de aula invertida da aprendizagem para o domínio. Bergmann e Sams referem professores que invertem a sala de aula, mantendo as avaliações sumativas "da maneira tradicional", sendo o teste aplicado a todos os alunos em determinado dia, sendo a nota obtida a definitiva.

Tampouco existe uma única maneira de inverter, uma única maneira de avaliar, e uma única maneira de oferecer feedback ao alunos.
(Bergmann e Sams, 2018)

Quanto à logística dos testes, Bergmann e Sams referem a vantagem de usar testes digitais online de correção automática. Por um lado, porque mantém o sistema dinâmico, com os alunos a receber o feedback automático e a informação de que estão aptos a seguir nos objetivos ou que terão de recuperar aprendizagens; por outro, porque retira ao professor a carga de corrigir dezenas ou centenas de testes. A opção dos autores passou pela plataforma Moodle, que gera aleatoriamente, a partir de uma base de dados, testes cujas versões serão sempre diferentes umas das outras. Segundo Bergmann e Sams "essa solução viabiliza a aprendizagem para o domínio".

Conclusão

Certamente que a mudança de um ensino mais tradicional para a sala de aula invertida, e ainda mais para o modelo invertido de aprendizagem para o domínio, poderá criar alguma apreensão por parte dos professores, o que é compreensível - estamos habituados a controlar os tempos e o espaço em sala de aula...mas é verdade também que se sente há muito nas escolas alguma insatisfação pelos métodos usados, que os professores se queixam que parece que a preocupação com as notas dos alunos recai mais neles que nos próprios alunos, que sentem estar a "dar a aula" e que há um grupo de alunos que não se interessa, que "ensinam mas os alunos não aprendem"...poderá ser a inversão da sala de aula um caminho plausível?

Na verdade, muitos professores começaram já a trilhar caminhos onde aos alunos é dada a responsabilidade da sua aprendizagem. Nem sempre o fazem conscientemente, mas cada vez mais os docentes apostam em trabalhos de grupo, de projeto, em estratégias de sala de aula mais ativas e centradas no aluno...O caminho começa a ser trilhado para o fundamental - responsabilizar o aluno pela sua aprendizagem.

Essa responsabilização do aluno não é coisa pouca. Um aluno que tome para si tal compromisso, ganha em autonomia, resiliência  e em competências fundamentais para a aprendizagem ao longo da vida e a adaptação a novas circunstâncias. Poderá ser um caminho para uma escola mais virada para o que se exige a um cidadão do século XXI.

Os receios dos professores são, no entanto, legítimos. E se os alunos não corresponderem ao método? Quanto a esta questão, Bergmann e Sams respondem que não há "soluções mágicas". Referem que antes de adotar o modelo de sala de aula invertida, a taxa de insucesso era de 10% e que essa taxa se manteve quando inverteram a sala de aula e quando adotaram o modelo invertido de aprendizagem para o domínio. A questão pode não estar nos números, antes no que queremos para a escola de hoje.

Se o modelo proposto será o único caminho para um ensino mais flexível, mais personalizado, mais motivador? Também não o é, certamente, mas o facto de ser uma orientação possível, um caminho a explorar, torna-o merecedor de atenção e uma opção a ponderar em termos pedagógicos.

Espero que esta série de três artigos possa ter despertado a curiosidade, apontado sugestões viáveis e dificuldades prováveis que deverão ser avaliadas e colmatadas com a prática no terreno.

Fundamentalmente, acredito que os professores não se acomodam. Que experimentam. Que sabem ser o motor da mudança nas escolas. Que nas escolas se encontram as sementes da curiosidade e do pensamento livre. Que o futuro também se faz na escola.

E agora incubimos você, como nosso leitor, a sair a campo e fazer o que for necessário para considerar a educação sob esta nova perspetiva. Ainda que não adote o método inverso na sua plenitude, esperamos, sobretudo, que você investigue: "O que é melhor para os nossos alunos?", e, então, parta para a ação. 
(Bergmann e Sams, 2018)


Referências

Bergmann, J. e Sams, A. (2018). Sala de aula invertida: Uma metodologia ativa de aprendizagem. Rio de Janeiro: LTC.



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