O meu interesse pela hibridização do ensino levou-me à metodologia da sala de aula invertida que, confesso, me entusiasmou bastante. Não pude deixar de tentar saber mais e, claro, encontrei inevitavelmente Jonathan Bergmann e Aaron Sams, os pais deste método.
Bergmann e Sams, professores de Química na Woodland Park High School, uma escola em ambiente relativamente rural e com problemas de assiduidade dos seus estudantes, experimentaram, para colmatar as dificuldades com que lidavam na sua prática letiva, inovar as suas práticas em 2006, criando um novo método de aprendizagem - mais tarde chamado sala de aula invertida - com o qual obtiveram resultados muito promisores.
O seu trabalho acabou por ganhar notoriedade e há hoje escolas que inverteram por completo as suas aulas nas mais diversas disciplinas.
Neste artigo, tentarei fazer um primeiro resumo das principais ideias da primeira parte deste livro e uma breve reflexão pessoal depois de concluída esta leitura.
Antes de mais, menciono que no primeiro capítulo deste livro, Bergmann e Sams referem ter deliberadamente limitado a extensão desta obra para que o leitor o "leia de uma assentada ou, quando muito, num fim de semana". Acertaram. Este é um livro de leitura muito fácil, recheado de histórias, exemplos e testemunhos na primeira pessoa. Uma ótima abordagem à sala de aula invertida para quem, como eu, está a dar os primeiros passos neste método.
Introdução à sala de aula invertida
Talvez seja um bom começo referir que
não há uma única maneira de inverter a sala de aula - não há essa coisa da sala de aula invertida. (...) Inverter a sala de aula tem mais a ver com certa mentalidade: a de deslocar a atenção do professor para o aprendiz e para a aprendizagem.
(Bergmann e Sams, 2018 )
Temos ideia que o principal conceito da sala de aula invertida é que o que tradicionalmente é feito como trabalho de casa (exercícios de aplicação, por exemplo) passa a ser feito em sala de aula, enquanto que o que é tradicionalmente feito em sala de aula (exposição de matéria) passa a ser feito antes da aula em casa, através de visualização de vídeos fornecidos pelo professor. Esta é, no entanto, um visão redutora da sala de aula invertida.
O grande objetivo, de facto, é centrar a aprendizagem no aluno e não no professor. Neste método,
Os estudantes têm o compromisso de assistir a vídeos e fazer perguntas adequadas. O professor está presente unicamente para prover feedback especializado. Também compete aos alunos a realização a apresentação de resultados escolares. Como também se oferece um guia de soluções, os alunos são motivados a aprender.
(Bergmann e Sams, 2018)
Não há uma forma única de inverter a sala de aula, mas o motivo para a inversão deve ser comum: a de focar a atenção nos alunos e nas aprendizagens, afastando-a do professor.
Segundo Bergmann e Sams todos os professores que invertem a sua sala de aula devem perguntar-se:
quais as atividades que não exigem a minha presença física e que podem ser retiradas da sala de aula para dar mais tempo em sala de aula às atividades que são reforçadas pela minha presença física?
Há que esclarecer que não se trata de transpor o processo de aprendizagem para online, antes aproveitar o digital para hibridizar o ensino, enriquecendo o ecossistema educativo. A criação de uma plataforma digital a que os alunos podem recorrer para aceder a conteúdos em qualquer lugar, em qualquer altura, flexibiliza o processo de aprendizagem. Por outro lado, Bergmann e Sams referem também que disponibilizam online "miniaulas" quando se apercebem que um determinado conteúdo está a suscitar dificuldades a grupos de alunos, promovendo uma "instrução just-in-time, ou seja, oportuna e na hora exata, quando os alunos estão predispostos a aprender".
Esta inversão altera o papel do professor, que deixa de ser um transmissor de conteúdo - já que o conteúdo se encontra online à disposição do aluno - para passar a atuar como esclarecedor de dúvidas. Não dependendo exclusivamente do professor como fonte de informação, os alunos têm maior liberdade para se entreajudar, trabalhar em equipa e aprender coletivamente.
Outra vantagem evidente da inversão da sala de aula é o facto de cada aluno poder explorar o conteúdo da aula ao seu ritmo. Se o trabalho de casa é a visualização de um vídeo, o aluno pode parar o vídeo, voltar para trás, repetir a visualização...uma prática impossível de replicar quando o professor expõe a matéria para toda uma turma. Na exposição tradicional de matéria, um aluno que se distraia pode não compreender a explicação posterior, um aluno que seja mais rápido pode aborrecer-se com as repetições necessárias para quem é mais lento, a indisciplina pode comprometer a transmissão eficaz da informação. O método da sala de aula invertida permite uma individualização do ensino no sentido de o ritmo de cada aluno poder ser respeitado.
Bergmann e Sams sublinham várias vezes que o maior ganho da inversão da sala de aula é o ganho de tempo em aula, já que o tempo que o professor leva tradicionalmente a expor a matéria pode ser aproveitado e explorado da melhor forma possível, com atividades mais ativas e mais centradas no aluno. Como ilustração, apresentam numa tabela a comparação do uso do tempo numa sala de aula tradicional e numa sala de aula invertida:
Algumas considerações práticas
Apesar da inversão da aula poder ser feita com recurso a diversos materiais - vídeos, livros, podcasts, websites, etc. - Bergmann e Sams referem-se geralmente a vídeos como estratégia de inversão, por ser essa a metodologia que implementaram e testaram. Assim, muitas das considerações práticas referem-se ao modo de criar bons vídeos de apoio à aprendizagem - como o facto destes vídeos deverem ser curtos, contando com uma duração máxima de 15 minutos (idealmente poderiam ter 5 minutos de duração), e de deverem incluir apenas um objetivo por vídeo, já que "fatiar os vídeos em segmentos menores ajuda os alunos a aprender melhor".
É também referido que os professores não têm de fazer os seus próprios vídeos. Apesar dos alunos reagirem bem à voz do próprio professor, não há nada de errado, como ponto de partida, no recurso a material realizado por outros docentes.
Claro que o método da aula invertida depende do envolvimento dos estudantes - mas como monitorizar esse envolvimento? Como verificar se os estudantes estão a realizar em casa as tarefas que lhe são propostas?
Os autores respondem a esta questão com uma sugestão bastante simples - verificar as anotações que os alunos realizaram ao visualizar o vídeo proposto. Outra hipótese para resolver esta questão é solicitar comentários num blog ou via email para o professor. Bergmann e Sams referem ainda que solicitam a todos os estudantes, individualmente, que façam uma pergunta interessante, expressem uma dúvida ou questão que lhes tenha surgido depois de visualizar o vídeo proposto. Há ainda a hipótese de criar um formulário online que os estudantes devem preencher ou de incentivar a criação de um blog onde os alunos façam uma reflexão sobre as suas aprendizagens.
E quando os alunos não veem os vídeos?
Nessa situação, Bergmann e Sams sugerem que os alunos assistam ao vídeo durante a aula. Com isso estão, naturalmente, a perder tempo valioso de interação com o professor e os colegas, e levam como trabalho de casa as tarefas que os seus colegas realizaram na aula, regredindo ao modelo tradicional. A experiência dos autores é que nestas situações os alunos dão geralmente conta de que é melhor contar com o apoio e orientação do professor em sala de aula, autorregulando-se e passando a ver os vídeos propostos.
E será possível inverter a aula, mesmo sem recorrer ao trabalho em casa?
Bergmann e Sams afirmam ser possível conceber a aula de modo que todas as tarefas (assistir a vídeos, outras atividades práticas e avaliações) sejam feitas em horário escolar. Na verdade, o objetivo da sala de aula invertida não é ter vídeos nem é determinar que os estudantes devem ver vídeos em casa. O objetivo é sempre "deslocar para o aprendiz a atenção que antes se concentrava no professor".
Conclusão
A inversão de sala de aula, sendo uma metodologia que promove a hibridização do ensino, recorre ao digital não como um instrumento, mas antes como um ambiente que enriquece o ecossistema de aprendizagem. Aliás, a propósito, Bergmann e Sams aconselham a só adotar a tecnologia se "ela for a ferramenta adequada para a tarefa a ser executada".
Mais importante que a questão da visualização de vídeos antes da aula propriamente dita, a adoção por parte do professor de estratégias ativas de aprendizagem, o aproveitamento eficiente do tempo que se ganha em sala de aula e a autorregulação do aluno são fatores que podem tornar a inversão da sala de aula bastante rica do ponto de vista pedagógico.
São vantagens inegáveis da sala de aula invertida o facto de cada aluno ter acesso ao conteúdo de cada aula que pode explorar ao seu ritmo e revisitar quando necessário, flexibilizando e individualizando o processo de aprendizagem.
Se a inversão em sala de aula é a receita para o sucesso...tal não existe em educação! Cada professor deve avaliar os meios ao seu dispor, as metodologias com que se sente confortável, a reação dos seus alunos e, sem disrupções, procurar compreender se a inversão faz sentido no seu contexto. Se fizer...é experimentar e procurar a estratégia que melhor se adeque à sua realidade. Boas experiências!
Nota: Este artigo tem seguimento em "Sala de Aula Invertida - uma Metodologia Ativa de Aprendizagem". Resumo e reflexão#2
Referências
Bergmann, J. e Sams, A. (2018). Sala de aula invertida: Uma metodologia ativa de aprendizagem. Rio de Janeiro: LTC.
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