Sala de aula invertida (Flipped Classroom) - uma introdução



No rescaldo do primeiro confinamento por COVID-19,  a Comissão Europeia, através da publicação
Blended Learning in School Education – Guidelines for the Start of the Academic Year 2020/21, explora as oportunidades pedagógicas e os desafios associados ao ensino híbrido que, por força das circunstâncias se previa na altura uma solução sustentável para o ano letivo 2020/2021, com os governos ainda a gerir o evoluir da pandemia. 

A publicação referida, ainda que surgida num momento ímpar na história, numa disrupção pedagógica contida no tempo, lança orientações que podem repercutir-se num futuro bem mais alargado, numa perspetiva de repensar a sala de aula apostando numa inovação pedagógica sustentada. 

De acordo com a Comissão Europeia (2020), o ensino híbrido deve ser interpretado como uma abordagem pedagógica que combina a aprendizagem em sala de aula presencial com ensino a distância, incluindo ensino online. 

Há que reconhecer que uma abordagem híbrida exige um repensar da prática pedagógica, uma análise cuidada  sobre como e quando usar melhor os diferentes ambientes  - presenciais e virtuais – selecionando os mais adequados para o estudo autónomo, a investigação colaborativa, a interação social, a aplicação prática... tal leva a uma reflexão sobre o que se entende por escola, por sala de aula, quais as suas fronteiras, e como aproveitar melhor o tempo em que estamos com os nossos alunos. 

São vários os benefícios da aprendizagem híbrida apontados pela Comissão Europeia (2020):

  • Uma aprendizagem mais ativa por parte dos alunos. O professor deixa de ser o único facilitador do processo; os alunos deixam de ser meros recetores passivos da informação; 
  • Possibilidade de um ensino mais personalizado, com os professores a apoiarem – presencialmente ou em ambiente virtual - os seus alunos de forma diferenciada; 
  • Maior autonomia, motivação e iniciativa por parte dos alunos; 
  • Desenvolvimento de competências para a aprendizagem ao longo da vida; 
  • Desenvolvimento de competências digitais; 
  • Os períodos presenciais podem ser usados para desenvolver capacidades sociais e sentimento de pertença a uma comunidade. 
Há que sublinhar o facto do ensino híbrido não ser apenas uma combinação de aprendizagem virtual com aprendizagem presencial, é antes um processo de ensino-aprendizagem que integra vários fatores: 

  • os ambientes de aprendizagem (casa, online, escola, local de trabalho, outros); 
  • processos de desenvolvimento de competências (aprendizagem ao longo da vida e profissional); 
  • a esfera  afetiva (motivação, satisfação, desânimo, frustração); 
  • as pessoas envolvidas (alunos, professores, pais, outros funcionários). 
Embora não existam evidências quanto à "quantidade certa" de cada um dos ambientes para um ensino mais eficiente – porque em educação não existem receitas milagrosas que se adaptem a qualquer contexto educativo – a Comissão Europeia (2020) afirma que a revisão de literatura sugere que uma abordagem educativa híbrida será geralmente mais vantajosa que um sistema 100% presencial ou 100% online. 

 Sala de aula invertida ou flipped classroom 

Uma solução possível para hibridizar o ensino é a abordagem de sala de aula invertida.


Nesta metodologia, os alunos adquirem conhecimentos preliminares em casa ou remotamente (através de livros, vídeos, podcasts, pesquisas on-line...) e os professores usam o tempo de aula na escola para facilitar a aplicação dos conhecimentos através de exercícios e aplicações práticas em sala de aula. A característica particular deste modelo, definida no termo “invertido” é que o ensino a distância acontece antes da aplicação presencial. 

Os elementos de uma abordagem de sala de aula invertida encontram-se representados graficamente na figura seguinte:

Elementos de uma abordagem sala de aula invertida
Fonte: Comissão Europeia
Tradução: Ana Carneirinho

O ensino híbrido perspetiva um processo de aprendizagem que se estende antes e depois de um evento educativo estruturado, uma "lição", incentivando o aluno a apropriar-se de todo o processo, colaborando com os outros (professores, colegas, pais...) em diferentes fases. Desta forma, reduz a transferência de informação unidirecional professor-aluno, sendo uma característica dominante o estabelecimento de etapas “antes” e “depois” da "lição", etapas essas consideradas como especialmente significativas no processo de aprendizagem. A estrutura da aprendizagem, incluindo os momentos "antes" e "depois" da "lição", é representada na seguinte figura:


O Ensino Híbrido contemplando os eventos "antes" e "depois" da "lição"
Fonte: Comissão Europeia, 2020, p.7
Tradução: Ana Carneirinho

Staker e Horn (2012) defendem que o modelo de sala de aula invertida está de acordo com a ideia de que o ensino híbrido inclui algum elemento de controle do aluno sobre o tempo, lugar, caminho e/ou ritmo uma vez que permite não só a escolha por parte dos alunos quanto ao local onde recebem o conteúdo e instrução on-line, como também a definição do ritmo a que se movem através do elementos on-line.

Sendo que o modelo da sala de aula invertida não entra em rutura com o conceito da sala de aula tradicional, no sentido em que se mantêm as turmas, os horários e as condições físicas da escola, poder-se-á questionar em que medida a inversão pode melhorar a aprendizagem do aluno. De acordo com Moreira e Horta (2020), o facto de na aula tradicional a velocidade da explicação dada pelo professor ser igual para todos os alunos, gera desigualdades, uma vez que o professor pode acelerar ou diminuir o ritmo da apresentação, mas nunca se conseguirá ajustar à rapidez de progresso de cada um dos alunos. Assim, a transferência da introdução teórica para um formato online

dá aos alunos a oportunidade de retroceder ou avançar de acordo com a sua velocidade de compreensão. Eles decidem o que e quando assistir, e isso, teoricamente, proporciona-lhes mais autonomia e iniciativa de aprendizagem.
(Moreira e Horta, 2020: 15)
Esta passagem para o ambiente online, permite ainda

que o tempo despendido na exposição dos conteúdos seja substituído por metodologias mais ativas, onde o aluno é convidado a resolver problemas, a discutir conhecimentos adquiridos ou a trabalhar em equipa.
(Moreira e Horta, 2020: 15)

Como exemplo de uma escola que adotou o modelo de sala de aula invertida, Staker e Horn (2012) referem as Escolas Públicas da Área Stillwater ao longo do Rio St. Croix no Minnesota, onde os alunos nas aulas de Matemática do 4º ao 6º ano usam dispositivos depois da escola, no local à sua escolha, para, em 10 ou 15 minutos, assistir a vídeos com instruções assíncronas e realizar perguntas de compreensão na plataforma Moodle. Na escola, os alunos praticam e aplicam a sua aprendizagem com um professor.

A figura seguinte ilustra esse modelo de sala de aula invertida.

Modelo de Sala de Aula Invertida
Fonte: Stacker e Horn, 2012, p. 11

Outro exemplo de aplicação prática, é o caso da Clintondale High, em Detroit, que adotou de forma generalizada o modelo de sala de aula invertida.O vídeo seguinte documenta o método de trabalho dessa escola:


Em resumo... 


A adoção do modelo de sala de aula invertida pode ser um caminho para um ensino mais flexível, mais dinâmico, onde o aluno pode ter um papel mais ativo na sua aprendizagem. 

A integração do digital na sala de aula - uma simbiose entre presencial e online, permite o respeito pelo ritmo de cada aluno e desenvolve a autonomia e a capacidade de autoaprendizagem, podendo ainda ser um fator de motivação para a aprendizagem. 

Não será certamente uma receita milagrosa – tal não existe em educação - e terá de ser avaliado de acordo com o contexto educativo, mas valerá certamente a pena explorar e adotar, senão de forma extensiva, pelo menos em aulas pontuais  ou blocos de aprendizagem.  



Referências 

European C. (2020). Blended Learning in School Education – Guidelines for the Start of the Academic Year 2020/21. Europea Commission, Directorate – General Education, Youth, Sport and Culture, Unit B.2: Schools and Multilingualism  

Moreira, J. A., & Horta, M. J. . (2020). Educação e ambientes híbridos de aprendizagem. Um processo de inovação sustentada. Revista UFG, 20(26). https://doi.org/10.5216/revufg.v20.66027 
 

Staker, H., & Horn, M. B. (2012). Classifying K–12 blended learning.  Innosight Institute 

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