O espaço individual de aprendizagem na sala de aula invertida


 Reflexão  sobre a Unidade 3: "Best Practices in the Individual Space" do curso Flipped Learning 3.0 Certification Level - I Masterclass, da Flipped Learning Global Iniciative.


Na metodologia da sala de aula invertida, o
espaço individual de aprendizagem é aquele onde o aluno contacta pela primeira vez com os novos conceitos. Este contacto, em vez de ser feito em grupo-turma, como tradicionalmente é comum, é feito através de trabalho individual, pela visualização de vídeos. Outras estratégias para além dos vídeos são viáveis, como por exemplo o recurso a textos, mas como foi através de vídeos que Bergmann inverteu as suas aulas, é esta a estratégia comummente referida. 

É no espaço individual de aprendizagem que são mobilizadas as competências mais baixas da taxonomia de Bloom, o memorizar e compreender. As competências de nível mais alto, devem ser desenvolvidas em grupo-turma, onde o professor está presente para apoiar o processo e para conduzir no aprofundar dos conhecimentos dos estudantes.

É evidente que toda a metodologia assenta no facto de assumir que os alunos fazem o trabalho de casa, isto é, que o espaço individual de aprendizagem é eficaz.  

A não realização do TPC compromete o modelo da sala de aula invertida? 

Bem...objetivamente, sim. Mas há que encarar o facto de alguns alunos não fazerem o trabalho de casa. Como, aliás, há que encarar o facto de alguns alunos não estarem atentos em sala de aula tradicional e de outros terem dúvidas sem nunca pedir esclarecimento...

Bergmann aponta algumas estratégias para diminuir o número de alunos que não fazem o TPC:

  • Investir na relação professor-aluno, diferenciando a abordagem em sala de aula. Quanto melhor for a relação professor-aluno, maior a probabilidade do aluno realizar o TPC;
  • Considerar o TPC para a classificação dos estudantes;
  • No seguimento da estratégia anterior, associar um formulário à visualização do vídeo que será considerado para a classificação dos estudantes. Caso os estudantes não realizem o formulário em casa, terão de o fazer em sala de aula, com uma penalização de 50%. O objetivo é que, sabendo os alunos que terão sempre de fazer o formulário, acabem por compreender que têm vantagem em fazê-lo antes da aula.
  • Não "compensar" os alunos que não cumpriram o TPC dando de novo a aula à turma. O aluno que não visualizar o vídeo, pode fazê-lo noutro momento. Estará em desvantagem relativamente aos colegas, mas tem oportunidade de diminuir essa desvantagem porque tem recursos para isso (ao contrário de um aluno que está desatento numa sala de aula tradicional, que não poderá voltar a assistir à aula). Dar de novo a aula é um erro, uma vez que transmitimos aos alunos a ideia que não é de facto necessário ver os vídeos, já que os conteúdos serão lecionados da forma tradicional de qualquer maneira.
A visualização dos vídeos pode ser complementada por processos que a tornarão mais eficaz, nomeadamente o recurso a:
  • Fichas de orientação para a visualização do vídeo. Tais fichas devem seguir linearmente o vídeo e ser de fácil resolução (preenchimento de espaços em branco, por exemplo). A ficha realizada pelos alunos pode ser uma forma de verificar a visualização do vídeo.
  • Video check. Os alunos tiram as suas notas durante a visualização do vídeo e, já no espaço turma, devem sumariar as aprendizagens, após o que são sujeitos a um breve questionário para confirmar a aquisição dos conhecimentos. Em caso de faltarem à aula, os alunos podem sempre aceder ao vídeo e fazer o vídeo check quando regressam à escola.
  • Ferramentas de interação. É possível tornar o espaço individual de aprendizagem mais interativo recorrendo a ferramentas de interação, como o Edpuzzle, ou inserindo o vídeo num formulário da Microsoft ou da Google que inclua perguntas de escolha múltipla ou perguntas abertas a realizar depois da visualização.
Se possível, pode ser uma boa estratégia deixar uma ideia no final do vídeo que funcione como uma ponte para o trabalho a realizar em grupo turma na sala de aula. Não se espera que no espaço individual de aprendizagem os alunos desenvolvam competências de análise ou de avaliação, mas uma ideia que fique no ar para ser retomada mais tarde, pode ser um fator positivo para fazer a conexão entre os espaço individual e o espaço de aprendizagem em grupo. 

E quando os alunos não têm acesso a internet?

Sobre esta questão, Kathy Swanger, professora de Estudos Sociais nos EUA, refere que nunca questiona no início do ano se o aluno tem acesso à internet. Faz antes um questionário sobre o acesso a redes sociais, quais as que os alunos usam, com que frequência as usam...concluindo que são muito poucos os alunos na sua realidade que não têm acesso à internet.

Haverá casos pontuais de alunos sem esse acesso e esses casos devem ser resolvidos, seja pelo empréstimo de equipamentos ou ao acesso aos conteúdos por outras vias que não a internet.

Tornar social o espaço individual de aprendizagem

É possível tornar o espaço individual de aprendizagem uma experiência de interação social se a atividade incluir uma ferramenta virtual onde os alunos possam expressar ideias, fazer comentários e interagir com o grupo. Esta pode ser uma modalidade muito interessante por enriquecer o espaço individual de aprendizagem, aproveitando-o para desenvolver competências mais altas da taxonomia de Bloom, ao mesmo tempo que permite ao professor ter uma "janela" para o pensamento dos estudantes, permitindo uma intervenção mais individualizada por parte do docente.

Deve ser o professor a realizar os seus próprios vídeos?

Deve ser o professor a realizar os seus vídeos. São várias as razões para esta afirmação:
  • Os estudantes aprendem melhor quando o vídeo é narrado pelo próprio professor, em quem confiam e a quem podem interpelar para esclarecer dúvidas;
  • Ao ser o criador dos vídeos, o professor controla o conteúdo e orienta o trabalho futuro;
  • É por vezes mais fácil e rápido criar um vídeo que encontrar um adequado na internet.
No entanto, é possível que no início do processo o professor simplesmente não consiga criar todos os vídeos, pelo que pode ser realista usar vídeos de outros professores. Neste caso, pode optar-se por fazer um vídeo introdutório sublinhando os pontos essenciais do vídeo que será usado.

Preparando o terreno...

O espaço individual de aprendizagem deve ser "preparado". Não é realista pensar que os alunos sabem de antemão como ver e interpretar vídeos. Há que os orientar nessa tarefa, treinando a visualização de vídeos antes de inverter a sala de aula. Esse treino deve ser feito em 3 fases:

  1. O professor vê o vídeo com a turma e promove a realização de apontamentos em conjunto, mostrando o que se pretende que cada aluno faça em casa. Nesta fase, o professor pode já referir que o ritmo de visualização pode ter sido lento para uns alunos e rápido para outros, apontando as vantagens de parar o vídeo e voltar atrás ao ritmo de cada um.
  2. Os alunos vêm o vídeo em sala de aula e tiram os seus apontamentos enquanto o professor circula pela sala, assegurando-se que os estudantes estão a realizar a tarefa como pretendido.
  3. Os alunos vêm o vídeo em casa fazendo os apontamentos de forma autónoma.
Alguns professores cometem o erro de pensar que, sendo os alunos a geração do Youtube, estarão prontos para uma inversão da sala de aula, mas tal nem sempre se verifica. Há alunos que sentem a falta de fazer perguntas durante a aula e outros que entendem que a aprendizagem deve constar na transmissão de conhecimento do professor para o aluno, não entendendo porque tem de partir deles o esforço para aprender. É necessário conversar com os alunos e explicar o propósito do método da sala de aula invertida, referindo as suas vantagens e ouvindo a sua opinião. Uma boa ideia seria pedir a alunos que já trabalharam sob este método para, em vídeo, dar a sua opinião e conselhos quanto à melhor forma de ter sucesso - os alunos costumam ouvir melhor os seus pares.

Pode ainda ser necessário explicar aos encarregados de educação o porquê de adotarmos um novo método de ensino. Será positivo fazer chegar aos encarregados de educação informações sobre o método, sublinhando que se pretende que os alunos tenham mais ajuda em sala de aula, que os TPC serão mais focados e que os pais poderão ajudar mais em casa, uma vez que as tarefas pedidas serão menos complexas.

Conclusão

O espaço individual de aprendizagem é fundamental para o sucesso da sala de aula invertida. É aí que o aluno se encontra para, de forma autónoma, se responsabilizar pela sua aprendizagem.

É evidente que nem sempre os alunos estão dispostos a realizar as tarefas propostas e tal compromete o modelo de aprendizagem - mas um aluno que não presta atenção ou não trabalha na sala de aula convencional, limitando-se a passar para o caderno o que está no quadro, também compromete o modelo tradicional...- pelo que é necessário criar estratégias que maximizem o número de alunos a corresponder ao solicitado.

Para este cumprimento da tarefa fora da sala de aula, contribui uma boa relação professor-estudante, mas há outras estratégias, referidas neste artigo, que podem incentivar a um bom desempenho dos estudantes.

Pode acontecer que o aluno, mesmo cumprindo as tarefas no espaço individual de aprendizagem, não consiga apreender o conteúdo. Esse aluno deve ter canais para expor as suas dúvidas (no início da aula em grupo-turma, através de mensagem ao professor, em respostas abertas em ferramentas de interação para a visualização de vídeos...) e deve merecer atenção personalizada, em pequeno grupo ou individualmente, através de uma "mini lição" presencial.

Essencialmente, devemos olhar para o espaço individual de aprendizagem como uma opotunidade de aprender a aprender. Como uma forma de desenvolver competências fundamentais numa sociedade em que a aprendizagem ao longo da vida é fundamental para o sucesso profissional e pessoal de cada um. Num mundo em mudança, compete-nos a nós, professores, optar pelas metodologias que acreditamos serem mais eficazes no desenvolvimento de aptidões que serão exigidas aos nossos alunos, cidadãos do século XXI.


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